FFXIV | Contos das Sombras: Um nome, Uma Promessa

Tales from the Shadows: One Name, One Promise

Contos das Sombras: Um nome, Uma Promessa

“Neste covil de piratas e ladrões, aqueles que projetam as sombras mais escuras costumam usar branco. Ajuda-os a se misturar… a desaparecer na paisagem urbana. Nesse sentido, acho que você nasceu para esta linha de trabalho…”

Então o homem meditou com indiferença enquanto agarrava os cachos prateados do pequeno garoto. Eles não eram pai e filho, nem parentes de sangue de qualquer tipo. Apenas uma criança que não conhecia a vida além daquela nas ruas e um comerciante de má reputação que estava ansioso demais para empregar o moleque em um esquema obscuro após o outro. Parceiros de negócios e nada mais.

Era uma época diferente, nos dias antes de a almirante Merlwyb proibir a pirataria e trazer um tanto de ordem para Limsa. Naquele lugar sem lei, um rato de rua poderia causar mais danos aos aliados do que um negociante do mercado negro de fibra moral questionável.

Evidentemente, alguns clientes eram ruins, enquanto outros, piores. Permita-se ser atraído pela promessa de dinheiro fácil e pode se encontrar com um cutelo na garganta. Havia apenas uma coisa que não mudava—uma vez que o trabalho estivesse feito, ambas as partes seguiam em frente, às vezes sem nem mesmo um adeus. E assim Thancred passou seus anos de formação¹. Para o bem ou para o mal, ele era um pupilo apto, ágil de corpo e perspicaz na mente. Podia cuidar de si mesmo e evitava os perigos que estreitavam a cada curva

Em dado momento, até conseguiu agradar as Dutiful Sisters—guardiães do Código, temidas até pelos mais temíveis bucaneiros. E ainda assim, no fim, escolheu seguir em frente. Havia algo nelas—a paixão silenciosa, o orgulho que sentiam em seu trabalho—que nunca bateu com o menino.

Não era de forma alguma uma vida glamorosa—nem tampouco fácil—mas era a única que ele conhecia. Isto é, até o dia em que enfiou na cabeça exercer seu ofício nos cais. Dizia-se que um comerciante estava chegando do outro lado dos mares, e as bolsas de moedas estariam cheias de gil e maduras, prontas para serem colhidas.

O idoso Elezen que escolheu como seu alvo tinha outras ideias, no entanto. Assim que o menino levantou a mão, ele se vira deitado de costas, seus membros amarrados por magias poderosas. Uma curta vida na prisão acenou, ou talvez uma morte rápida.

E então a coisa mais estranha aconteceu. O homem o pegou pela mão, levou-o para um canto tranquilo longe da multidão agitada, olhou-o diretamente nos olhos e disse: “Meu nome é Louisoix Leveilleur. Eu sou um estudioso do outro lado dos mares. Qual é o seu nome, criança?”

“Thancred,” o garoto murmurou, ainda incrédulo.

“Thancred… o quê? Você tem família?” o velho continuou, com um sorriso solidário.

“Apenas Thancred,” o garoto deu de ombros. “E não tenho uma família—pelo menos nenhuma que eu conheça.”

O homem que se chamava Louisoix parou por um momento, acariciando a barba, antes de parecer chegar a uma conclusão.

“Você é rápido e capaz para alguém de sua idade. Ao menos se estivesse em um lugar onde pudesse aprender a usar esses dons para o bem de todos, em vez de meramente como ferramentas para sua própria sobrevivência—ora, não há como saber onde essa vida pode levar…”

Thancred ouviu em silêncio, sua carranca falando muito. Não é como se eu tivesse escolhido isso, ok?. Mas Louisoix respondeu com um sorriso triste, mas acolhedor, e as palavras que mudariam a vida do menino para sempre.

“Venha comigo para Sharlayan. Você é uma criança talentosa, e há muito que eu gostaria de ensinar a você…”

E foi assim que a nova vida de Thancred começou.

 

Para comemorar a ocasião, deveria reivindicar o sobrenome de “Waters”. Tais floreios eram desnecessários nas ruas de Limsa, mas seriam indispensáveis em locais mais respeitáveis. Thancred se irritou no início, nada ávido a declarar sua herança humilde a todos, porém Mestre Louisoix não toleraria oposição. “Thaliak, guardiã de rios caudalosos e fornecedora de conhecimento,” o sábio meditou. “Um rapaz como você poderia se dar muito bem com essa protetora.” E assim aceitou de má vontade o nome que viria a usar com orgulho.

Louisoix também encontrou um mentor adequado para a criança—um veterano em operações secretas que treinaria Thancred para seguir seus passos silenciosos. Sharlayan era uma sociedade que valorizava o conhecimento e a experiência em todas as formas, e os agentes obscuros não eram evitados como ladinos de má reputação, mas respeitados como contribuintes-chave para a nação. Foi em tal campo que Louisoix esperava que o menino pudesse se destacar e encontrar sua verdadeira vocação.

Atordoado como estava com essa reviravolta, Thancred não era tolo. Ele entendeu o futuro que Louisoix imaginou para ele e se esforçou para fazer todo o possível para atender às expectativas de seu patrono. Aperfeiçoou seu corpo para que pudesse se infiltrar nas fortalezas mais inexpugnáveis nos ambientes mais hostis, e sua mente para que pudesse encantar os mercadores mais cautelosos e socialites nas circunstâncias mais críticas.

Antes que percebesse, a criança malandra dos becos de Limsa não existia mais. Em seu lugar estava um jovem confiante que poderia se passar por amigo e confidente de qualquer um por tempo suficiente para obter o conhecimento que seu cliente exigisse.

Pouco tempo depois, as habilidades excepcionais de Thancred foram reconhecidas e em sua pele foi inscrito o selo de um Arconte. Quando Louisoix olhou para esta marca, mal pôde conter sua alegria. O menino que havia tirado pessoalmente da penúria e colocado sob sua asa havia percebido seu potencial.


Foi aproximadamente nessa época que Thancred encontrou pela primeira vez a criança que conhecia apenas como Ascilia. Um dos primeiros recrutas do Circle of Knowing² do Mestre Louisoix, ele estava em uma missão ultrassecreta em Ul’dah, encarregado de fazer o que pudesse para apaziguar as chamas da guerra que ameaçavam engolir Eorzea.

Para seus conhecidos, ele era simplesmente um bardo viajante querendo aprimorar suas habilidades e estudar técnicas de espada nesta terra de gladiadores e mercenários. Na verdade, sua missão era usar seu conhecimento sobre primals como moeda de troca, para que ele pudesse ganhar a confiança do Sindicato, da Sultana e de quaisquer outros que exercessem influência nesta terra transbordante de riqueza e intriga—na esperança de que poderia afastar, ainda que brevemente, a ameaça da bélica Garlemald.

Mas os melhores planos dos homens muitas vezes dão errado, não demorou muito para que a tragédia desse as caras, e a criança que Thancred acabara de fazer amizade foi condenada a um destino mais cruel do que ele mesmo havia conhecido. Quando a poeira baixou, a jovem agarrou-se ao pai, implorando aos deuses para que ficasse mais um momento*.

Uma parte dele estava bem ciente de que a criança estava totalmente sozinha agora, como ele havia estado uma vez. Esta parte tinha pena dela, sabendo o que seria forçada a sacrificar para sobreviver neste mundo cruel e insensível. Ainda outra parte dele—uma parte mais egoísta, admitiria—fervia de dor e arrependimento. Por mais que tivesse crescido—por mais forte que tivesse se tornado—no fim ele era impotente. Eu falhei com ela quando ela mais precisou de mim.

 

Felizmente, a criança não estava sem amigos no mundo. A cantora F’lhaminn logo resolveu servir como sua guardiã e protetora. E assim o papel de Thancred na história da criança chegou ao fim—ou assim parecia. Mas, por razões que não conseguia para explicar, ele não conseguia seguir em frente tão facilmente. Talvez fosse o conhecimento de que o pai da criança havia traído seus mestres espiões de Garlean antes de sua morte, e que o perigo ainda poderia seguir por seu rastro. Ou talvez fosse algo muito mais simples—embora o primeiro fato fosse uma desculpa conveniente.

Desnecessário dizer que tinha muitas responsabilidades mais importantes. No entanto, sempre que seus deveres o levavam a Ul’dah, ele se certificava de dar uma olhada em Ascilia para que ela não fosse pega em algo desagradável. Despachar idiotas comuns era bastante fácil, mas nas ocasiões em que se encontrava cara a cara com um agente Garlean disfarçado—sem dúvida que havia seguido o rastro de seu pai—arrepios percorriam sua espinha.

Quando ficou claro que seria quase impossível escapar desta perseguição, Thancred decidiu sair das sombras e fazer uma proposta.

“Você deveria assumir um novo nome e assumir uma nova vida. Só então você poderá se libertar do legado de seu pai. Confie em mim, é para o seu próprio bem.”

Ascilia olhou em seus olhos e considerou a implicação de suas palavras sem preconceito. Depois de um momento, concordou com a cabeça. “…Muito bem. Mas que nome devo tomar?”

Thancred fechou os olhos, pensou brevemente por um momento, então falou.

“Minfilia”, disse com convicção silenciosa. “Minfilia Warde.”

Era um nome quase tão inspirado quanto o que Louisoix o convenceu a adotar tantos anos atrás. Um nome bastante comum para uma garota Highlander, mas não tão usado a ponto de chamar atenção desnecessária. Um nome que a manteria segura na ausência de Thancred.

“Minfilia…” ela disse com um sorriso. “Sim, eu gosto bastante do som disto.”

 

Uma noite, depois de realizar uma tarefa de reconhecimento ou outra, Thancred se viu vagando sem rumo pelas ruas de Ul’dah, como costumava fazer. Foi então que ele viu Minfilia, ostentando uma picareta e outros equipamentos variados. A menina não é nada menos que devota à causa.

“Está tudo bem?” ele perguntou. “Certamente suas tarefas não exigiram que você ficasse fora até tão tarde?”

“Oh, Thancred…” Minfilia respondeu calmamente. “Não é nada, de verdade. Eu simplesmente… me distraí.”

Apesar de toda a sua projeção externa de força, algo estava claramente pesando na mente da garota. E assim Thancred abriu um sorriso compreensivo e se ofereceu para acompanhá-la até sua casa. Não ficava longe da humilde residência onde ela morava com F’lhaminn, e esperava poder aprender mais sobre seus problemas. A conversa rapidamente passou desse assunto para os rumores do dia, e várias risadas inconsequentes depois, eles chegaram ao seu destino.

“Obrigado, Thancred”, acrescentou, antes de se fixar nele com o olhar. “Tenha cuidado para não exagerar na taverna. Você esquece muito rápido de si mesmo, especialmente na companhia de mulheres…”

“Irei seguir seu conselho sábio como se minha própria vida dependesse disso,” respondeu em um tom que deixou claro não haver nenhuma intenção de fazer algo do tipo.

Minfilia suspirou enquanto abria a porta de madeira. Por um momento, o caloroso brilho alaranjado das lanternas de dentro banharam o beco e Thancred em luz. Com um aceno de despedida, a garota entrou, e enquanto a porta se fechava com um rangido, aquela vislumbre fugaz de calor e tranquilidade se esvaiu junto dela.

Do outro lado da porta, a mil metros de distância, veio uma voz gentil.

“Bem-vinda, minha querida…”

Sozinho no beco, Thancred respirou fundo. Não é para você. Ele levou a garota em segurança para casa, e apesar de ter sido uma tarefa simples, se sentiu mais orgulhoso do que o usual em um longo, longo tempo.

Quantos anos se passaram…? Thancred tinha perdido a conta há muito tempo. Ponderou sobre a memória enquanto fazia o caminho cada vez mais fundo adentro os túneis abaixo da cidade de Eulmore no First—literalmente um mundo de distância de casa. Assim como muitas vezes em sua juventude, estava aqui em uma missão: uma missão para resgatar uma jovem garota.

As ruas de Eulmore estavam repletas de imponentes e majestosos edifícios esculpidos em mármore branco imaculado. Embora houvesse muitas diferenças, é claro, não podia deixar de se lembrar de Limsa Lominsa. Neste covil de piratas e ladrões, aqueles que projetam as sombras mais escuras costumam usar branco.

Ele havia se livrado do traje de soldado de Eulmore que usara para entrar, vestindo em seu lugar seu próprio casaco do mais puro branco. As roupas eram leves e esvoaçantes, condizentes com um homem que havia trocado dois punhais por uma gunblade—um homem decidido a servir como guardião e protetor. O branco, também, foi uma escolha de Thancred—uma cor que lhe permitiria viajar sem rastros neste mundo inundado de Luz. Fosse ele um cavaleiro honrado ardendo em senso de dever, sem dúvida teria escolhido se vestir de preto, erguendo bem alto a bandeira do vilão em uma terra onde os déspotas se envolviam com o manto da virtude. Mas tais indulgências teriam que esperar até depois. Depois de a ter salvo.

O recife do qual a cidade de Eulmore foi esculpida se estendia muito abaixo da superfície do oceano. Diz-se que a enorme câmara subterrânea em que Thancred se encontrava foi usada como depósito em uma época e como um porto seguro para abrigar as pessoas de sin eaters³ em outra. Sob o governo de Lord Vauthry, ela havia sido convertida em uma prisão improvisada e despensa para meol—a substância que servia para fornecer sustento aos cidadãos de Eulmore e garantir sua lealdade.

Era a câmara mais profunda daqueles salões cavernosos que Thancred procurava, um local que havia identificado apenas após meses de buscas. Evitou os olhares dos vigias, despachando sem dor e sem esforço aqueles que considerava que poderiam interferir em sua fuga. Se estivesse sozinho, infiltrar-se nas áreas mais fortemente guardadas de Eulmore seria uma tarefa simples. Mas para levar um prisioneiro—uma criança que não sabia nada do campo de batalha, ainda por cima—ele precisaria tomar todas as precauções.

Depois de se livrar de mais um guarda, Thancred chegou ao seu destino. Embora seus aliados no First a chamassem de “Minfilia”, Exarch o advertiu a não esperar uma reunião. Mesmo assim, sentiu uma conexão com essa garota que ainda não conhecia. Ele sabia no fundo do coração o que deveria fazer. Exalando suavemente, girou a chave e destrancou a porta.

A câmara era desconcertantemente comum. Onde Thancred esperava uma cela úmida, encontrou em vez disso uma cama simples, mas de aparência muito confortável, e uma cômoda pequena. Uma escrivaninha e cadeira combinando adequada para estudo, equipada com pergaminho e uma pena. A peça central da sala era uma estante majestosa, forrada de cima a baixo, de ponta a ponta com tomos impressionantes. Além da falta de janelas, dificilmente alguém teria motivos para reclamar. No entanto, isso tornou essa cela improvisada ainda mais inquietante. Não havia desespero, mas também não havia esperança a ser encontrada. Era simplesmente um lugar para o rei-deus de Eulmore manter a Oráculo da Luz como sua prisioneira e animal de estimação até o fim dos tempos.

Sentada em cima da cama no centro da câmara, a jovem criança virou-se para seu visitante inesperado e olhou para ele com olhos de cristal. “Você… você é?” A voz da menina era ao mesmo tempo reminiscente e totalmente diferente da jovem Ascilia.

Outra vida estava esperando para além daquela porta. Uma vida de amor e esperança. Em família.

“Minfilia. É hora de ir.”

Quando Thancred falou o nome, ele a viu sorrir no escuro. Sua silhueta contra a luz ofuscante. Ele estendeu a mão. Após um momento de hesitação, a garota o pegou.

Desta vez. Desta vez, eu irei fazer dar certo.



¹ Neste contexto, anos de formação não se refere a estudos e sim ao período de vida entre 0 a 8 anos.

² Circle of Knowing: O Círculo do Saber é um grupo de doze pesquisadores e estudiosos conhecidos como Arcontes.

³ Monstros específicos do First do aspecto de Luz

 

Fonte: Tales from the Shadows | FINAL FANTASY XIV, The Lodestone

Traduzido por Arius Serph @ Behemoth
Revisado por Yu Kisaragi @ Behemoth

Author: Aro
Idealista que se empolga com música, comida, pescaria, trocadilho, boas histórias, filosofia, animais, café, pessoas animadas e... na verdade, eu me empolgo fácil mesmo.

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