FFXIV | Contos da Alvorada: Uma Questão de Vida

Tales from the Dawn: A Question of Life

Contos da Alvorada: Uma Questão de Vida

Poucas coisas no mundo podem ser mais cruéis do que palavras gentis. Do que a presunção de compreensão.

Tudo ficará bem. Não se preocupe. É um cansaço passageiro. Estou sempre disposto a ouvir.

Os chavões vazios ecoavam em sua mente—rejeições educadas usadas para tornar os sentimentos insignificantes. Suavizando a dor pontual, cortando os espinhos da raiva, até que o que restava pudesse ser moldado em uma forma socialmente aceitável.

Às vezes ele resistia, irritando-se com colegas simpáticos. Garra em suas mãos consoladoras enquanto eles o exortavam a enterrar estes pensamentos. Mas eles apenas olhavam para ele, com evidente pena em seus olhos.

Diga-lhes o que eles querem ouvir.

E todas as vezes, era aceito mais uma vez, e a sagrada pretensão de harmonia restaurada.

 

Mas desta vez—desta vez, certamente estou além da salvação.

Hermes permanecia no cume, alto nos céus de Ktisis Hyperboreia. Dos níveis mais baixos, o anúncio de emergência ecoavam fracamente. Criações perigosas podem estar à solta, zumbiu a voz pré-gravada e a instalação foi colocada em estado de alerta. Um campo de contenção de magia pairava sobre seus espaços interconectados dimensionalmente, suprimindo as habilidades de todos os presentes, exceto para funcionários autorizados. Todo esse caos ao meu capricho…

Com uma mão muito ampliada por sua transformação, Hermes a estendeu para a aethernet da instalação. Ordenou que mais recintos fossem abertos, e imagens gravadas em luz confirmaram o resultado.

Os espécimes assim liberados cairiam sobre seus perseguidores, cuja prioridade não era o bem-estar deles. Em sua pressa, matariam em vez de subjugar, e o sangue daquelas criaturas inocentes estaria em suas mãos. A escolha é minha e só minha, e assim como a culpa. Seu coração apertou em vergonha, mas na desvantagem em que se encontrava em força e números, tinha poucas preciosas opções. Nunca antes havia oferecido resistência violenta a alguém—e meramente “alguém” seus perseguidores não eram.

Quando o homem é comparado à força vital da estrela, não é pelo papel que desempenha em nutri-la. Nesse dever coletivo, todos devem fluir em uma única direção, e as divergências raramente saem do campo do debate civilizado. Hermes não era acostumado a reafirmar suas crenças, mas estava prestes a fazê-lo usando da força, e a perspectiva o enchia de um pavor indescritível.

Os intrusos estavam cada vez mais próximos, deixando um rastro de morte em seu rastro. Enquanto liberava mais criações infelizes para barrar seu caminho, seus pensamentos se voltaram para um deles. O familiar de Azem—ou assim foi inicialmente reivindicado. Na verdade, ele era um viajante do futuro, de uma época muito posterior à civilização que Hermes conhecia ter terminado. Uma pessoa que, apesar de transformar a flor de Elpis em um tom triste, conseguia continuar sorrindo. O que Hermes vislumbrou em seu semblante gentil não era bondade nem paciência, mas força. E essa força lhe permitiu superar inúmeras dificuldades.

Eu devo ser forte também—eu serei. Ele confrontaria e aceitaria esses sentimentos. Mesmo que o quebrassem. Mesmo que o levem a fazer o impensável.

“Custe o que custar, Meteion, eu não vou rejeitar a resposta.”

Ele olhou para sua amada criação, cujo olhar absorvia tudo e nada. Para sempre tocada pelo conhecimento. Tentou se consolar com o fato de que ela atendeu ao seu pedido de esperar, o que sugeria que sua consciência compartilhada havia se estabilizado.

De acordo com o relatório de Meteion, havia pouca alegria nas estrelas distantes. Supondo que houvesse seres lá fora que pudessem compartilhar o que dava sentido às suas vidas, temia que a resposta fosse amarga demais para seus semelhantes. Era por isso que precisava de tempo—o tempo para ficar em paz com a verdade sozinho, seus pensamentos não obscurecidos por debates bem-intencionados ou preocupações pragmáticas com implicações futuras.

Com o coração pesado, Hermes abriu um compartimento de maior grau e liberou o temível Ladon Lord na Revisão de Conceitos. A criação era sua última chance—se não conseguisse deter seus perseguidores, ele não teria escolha a não ser confrontá-los ele mesmo. Não poderia haver justificativa para o crime. Sem voltar atrás.

Que assim seja. Melhor ser visto como uma aberração do que permanecer na ficção por causa deles.

“Eu mandei você para as estrelas. Não vou deixar seus esforços serem em vão.”

Hermes se ajoelhou diante de Meteion, mas em seu estado transformado, ainda se elevava sobre ela. Com mãos enormes feitas para domar bestas indisciplinadas, o toque mais suave poderia, no entanto, causar danos. E então ele olhou em seus olhos, o mesmo azul marcante de suas asas, e lembrou dos dias que os guiaram a este acerto de contas…


Hermes piscava enquanto as imagens borradas se tornaram a sala de Anagnorisis. Há quanto tempo estou dormindo…? Sentou-se no sofá e ainda estava tentando se livrar da névoa quando Euanthe entrou. Com um suspiro agudo, ela explicou como eles encontraram Hermes caído em um canto do jardim e depois o trouxeram até aqui. Ele se encolheu de vergonha quando as memórias voltaram.

“Perdoe-me… eu… posso ter negligenciado o descanso adequado. É só que… estou tão perto agora. Eu quase tenho o conceito.”

Muitos anos se passaram desde que Hermes concebeu pela primeira vez uma criação capaz de viajar pelas as estrelas—uma enteléquia possuidora de livre arbítrio. Devido a uma total falta de precedentes, no entanto, satisfazer os critérios de design foi um desafio de fato. Aproveitando o poder de dynamis, precisava ser capaz de atravessar o vasto vazio rapidamente e, a partir daí, localizar e se comunicar com outras formas de vida inteligentes. Em busca de sua visão, Hermes experimentou incontáveis ciclos de excitação e decepção. Mas, finalmente, a solução começou a tomar forma.

Sorrindo ironicamente, Euanthe estendeu uma cesta de frutas—seu lembrete não-tão-sutil das necessidades da vida.

“Isso significa que você finalmente conseguiu decidir uma aparência?”

A mão de Hermes parou no meio do caminho para a cesta oferecida. Ao contrário dos homens, de quem se esperava que se adaptassem às modas estabelecidas, acreditava-se que outros seres vivos deveriam parecer únicos. Adicionando cor à estrela. Infelizmente, enquanto alguns, como o Lahabrea incumbente, a maior autoridade no campo da criação, podiam produzir belos conceitos à vontade, Hermes estava constantemente perdido. Estética nunca foi meu forte.

“Sua forma deve ser tão simples quanto sua natureza complexa”, começou. “Pássaros conheço bem, é claro, e seus atributos se adequariam às habilidades que terá. Mas para facilitar a comunicação com outros seres sencientes, também deve ter as características de um homem.”

“Isso é muito bom para um princípio orientador, mas e os detalhes? Suas características físicas, personalidade e essas coisas assim por diante?”

Hermes não havia considerado tais coisas, esperando em vão que seu subconsciente preenchesse as lacunas. Como não havia como saber quais qualidades outras formas de vida gostariam, ele podia confiar apenas em sua própria sensibilidade. Franzindo a testa, começou a vasculhar as câmaras desordenadas de sua mente em busca de inspiração potencial. A centelha invisível da dynamis. O universo e as estrelas. Pássaros voando no céu…

“…Azul. Eu quero que seja azul, como o céu de Elpis. Nosso portal para o cosmos além.”

As palavras saíram mesmo enquanto ele as pensava. Euanthe piscou algumas vezes em consideração antes de concordar Hermes com uma risada de aprovação.

“Uma boa ideia.”

 

Nos dias que se seguiram, Euanthe e outros colegas forneceram a Hermes documentos de projeto e até realizaram palestras particulares, o que o ajudou a formar uma imagem mais clara de sua criação. Como era de seu costume, levou mais tempo para definir sua aparência do que seus aspectos mais práticos, mas finalmente conseguiu finalizar o conceito.

Ele nunca esqueceria a primeira vez que a trouxe à luz. A antecipação nervosa enquanto canalizava sua magia. As partículas de luz que se juntavam coalescendo em uma tempestade brilhante. O momento da manifestação.

Olá.

O pássaro canoro era pouco maior do que a palma da sua mão aberta. Suas penas azuis tingidas de preto nas pontas. O limiar para o universo visto do perfeito artifício. Ele já podia imaginar sua longa cauda traçando uma linha no céu, como um meteoro.

“Meteion.”

Nenhum nome poderia ser mais apropriado, pois falar fazia seu coração disparar. Estava tão apavorado que não pudesse fazer justiça a ela. Mas vendo a criatura diante dele agora, sabia que não havia nada mais bonito em todo o mundo.

 

Assim começou exploração deles do universo.

Hermes criou as irmãs de Meteion, as Meteia—embora sua consciência compartilhada as tornasse mais parecidas com uma única entidade—e as enviou em breves incursões além dos limites da estrela. Os primeiros resultados foram mistos. Embora não faltasse as habilidades necessárias a Meteion para cumprir seu propósito, ela encontrou um problema após o outro na grande extensão. Mas já chegamos tão longe─e iremos ainda mais longe.

 

Hermes estava realizando mais voos de teste no crepúsculo de Elpis quando Meteion, atualmente na forma de uma garota para transmitir as mensagens de suas irmãs, gritou. Ele se virou para vê-la congelada em choque, olhos arregalados e boca aberta. Antes que tivesse a chance de falar, ela cambaleou como se tivesse sido atingida por um forte golpe, e foi tudo o que ele pôde fazer para pegá-la.

Por um tempo dolorosamente longo, ela permaneceu rígida como um cadáver em seus braços, e não deu nenhuma indicação de que ela ouviu suas palavras preocupadas. Então, de repente, ela acordou com uma falta de ar, seu corpo relaxando como se o tempo fluísse novamente. Pela forma como estremeceu, as penas em pé, ficou claro que ela sentiu um calafrio intenso. Ele estava esfregando seus ombros para oferecer conforto quando ela suspirou em frustração.

“Nós falhamos de novo… Perdemos outra…

Embora Hermes já esperasse, isso não tornou a notícia menos pior. Enquanto lutava para consolá-la, Meteion se levantou e obedientemente entregou o relatório em sua voz hesitante. Sua irmã havia sido apanhada em uma torrente furiosa de dynamis, ela explicou, e posteriormente desfeita. Como tantas outras antes…

Como um ser feito de dynamis, Meteion poderia sobreviver na maioria dos ambientes reduzindo seu aether constituinte ao mínimo. Uma estrela poderia estar envolta em chamas, congelada de pólo a pólo ou envolta em gás tóxico, mas tais perigos não a perturbariam. Caso estivessem presentes formas de vida que considerassem seu ambiente excessivamente severo, ela compartilharia suas sensações, mas isso era puramente acadêmico, pois a vida não floresceria em tais condições em primeiro lugar.

Mas, da mesma forma, ser feita de dynamis tornava Meteion vulnerável à sua influência. Embora seu potencial tenha sido suprimido em Etheirys rico em aeter, ele se comportava de maneiras inesperadas no vazio e além—maneiras que a confundiam e desconcertavam. Em um setor, havia uma estrela que podia manipular dynamis. Era capaz de abrigar pensamentos e sentimentos, não de uma maneira que o homem pudesse compreender. Em outro, dynamis rugia como uma tempestade sem fim. Em seu coração havia uma grande piscina de aether não muito diferente do mar aetherial, a mistura de inúmeras memórias dando origem à turbulência ao redor.

Em sua busca por vida inteligente, Meteion contava com o apoio de dynamis. E assim, como uma mariposa para uma chama, ela estava sujeita a ser atraída por aquilo que poderia destruí-la.

“Mas não se preocupe! A cada vez aprendemos mais. Quais lugares são ruins. Encontraremos estrelas com vida, tenho certeza!”

Apesar de seu trauma recente, Meteion manteve seu entusiasmo. Mas o próprio Hermes parecia tê-lo abandonado. Quantas de suas irmãs seriam sacrificadas por sua causa? Quantas vezes teria que vê-la desmoronar, a vida expulsa de seu corpo? Mesmo que você não sofra danos permanentes, temo que eu irei…

“Talvez sim. E ainda…” conseguiu dizer antes de ficar em silêncio e abaixar a cabeça de vergonha. Ele suspirou e abriu os olhos, apenas para ver um par de olhos azuis curiosos olhando para os seus. Repreendendo-se por não controlar suas emoções, respirou fundo para recuperar a compostura… e sentiu uma pequena mão em sua cabeça. Meteion estava acariciando seu cabelo, os movimentos exagerados e desajeitados.

“Tenha fé, Hermes. Nós obteremos respostas. Então todos ficarão felizes. Você, eu, todos!”

A carícia continuou por um bom tempo antes que ela retirasse sua mão, deixando seu cabelo escuro uma bagunça despenteada—e sua alma de alguma forma confortada. Hermes olhou para ela e sorriu, e ela retribuiu o gesto, rindo do seu jeito carinhoso.

“Você está certa, Meteion. Encontraremos as respostas nas estrelas distantes. E então traremos mudanças para a nossa.”

Ele se levantou para contemplar o céu salpicado de estrelas mais uma vez, com esperança em seu coração para o futuro.


Essa esperança não durou. Um dia, a consciência compartilhada de Meteion tornou-se instável. Ela e suas irmãs não conseguiram sustentar sua existência, e tudo se dissipou com uma explosão. A onda de choque resultante acidentalmente desencadeou Kairos, que apagou vários dias de memórias das pessoas nas proximidades, incluindo observadores visitantes.

Mais tarde, soube que vários recintos foram abertos em Ktisis Hyperboreia, e muitas criações pereceram lutando entre si. Depois de entregar este relatório, seu subalterno sugeriu que, em sua confusão, talvez Hermes tivesse procurado libertá-los.

“Parece algo que você faria, chefe”, disse o homem com um sorriso de pena.

Será? Sabendo que era o resultado provável, eu teria sido tão imprudente? Tão cruel?

Mas não teria sido a primeira vez.

Hermes se amaldiçoou. Por enviar Meteion para longe. Por criá-la. Mas acima de tudo, por ousar ter dúvidas. Se simplesmente pensasse como todo mundo—se tivesse feito as pazes com a moralidade deles—ele não teria infligido tanta dor a si mesmo e aos outros.

Diga a si mesmo no que você precisa acreditar.

E assim eles não se ressentiram dele e, ao invés disso, o presentearam com sua aceitação cruel.

Tudo ficará bem. Não se preocupe. São apenas alguns dias de memórias. As criaturas sempre podem ser refeitas.

A lógica utilitarista o assaltava. Mas desta vez, não ofereceu resistência.  Internalizou a mentira e passou a viver como os outros. Quando foi oficialmente nomeado para a Convocação dos Quatorze, ele levou a sério a posição e trabalhou pelo bem da estrela até o fim, até o momento em que a própria realidade foi rachada.

De suas tentativas desesperadas, nenhum vestígio permaneceu… ou assim pareceu. No entanto, seja no passado antigo ou no futuro distante, o anseio pelo qual ele sacrificou tanto perduraria. O fogo cresceria naqueles que olhassem para os céus em desafio ao esquecimento—o desejo de confrontar as respostas pelas quais Meteion viajou… não importa quão terrível a verdade pudesse ser.



 

Fonte: Tales from the Dawn | FINAL FANTASY XIV, The Lodestone

Traduzido por Arius Serph @ Behemoth
Revisado por Yu Kisaragi @ Behemoth

Author: Aro
Idealista que se empolga com música, comida, pescaria, trocadilho, boas histórias, filosofia, animais, café, pessoas animadas e... na verdade, eu me empolgo fácil mesmo.

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