FFXIV | Contos sob a Lua Nova: Após a Tempestade

Tales under the New Moon: In Storm’s Wake

Contos sob a Lua Nova: Após a Tempestade

“Você tem correspondência, Raha.”

Já fazia algum tempo desde o tumulto dos Final Days, e G’raha Tia estava aproveitando ao máximo um raro momento de silêncio com um almoço tranquilo ao sol do meio-dia. Contudo, o dever acabaria por chamá-lo de volta ao Baldesion Annex, e mal havia chegado quando Krile saiu do escritório para cumprimentá-lo. Em sua mão havia um envelope marcado especialmente para ele—uma ocorrência rara, já que quase todas as missivas que os Estudantes* recebiam eram endereçadas ao coletivo. Examinou o envelope e a elegante escrita Eorzeana em que seu nome estava escrito, notando que o nome do remetente estava curiosamente ausente. Pegando um abridor de cartas da mesa de Ojika, rapidamente extraiu a missiva e mal começou a examinar seu conteúdo quando um suspiro repentino e agudo escapou de seus lábios, atraindo olhares interrogativos de Krile e Ojika. Incrédulo, ele leu a mensagem novamente para confirmar que seus olhos não o estavam enganando, antes de se voltar perplexo para seus companheiros.

“Fui convidado para Doma… para uma audiência privada com Lord Hien.”

“Lord Hien?” Krile repetiu, duvidosa. “Que negócios ele tem com você?”

“Eu também gostaria muito de saber. Se ele tivesse me ordenado a levar nosso amigo aventureiro, poderia até entender, mas não tenho a menor ideia do que ele poderia querer comigo…”

G’raha virou a carta e a ergueu contra a luz, procurando por uma pista— alguma cifra ou sinal oculto que pudesse explicar essa correspondência incomum. No entanto, nada foi encontrado. Admitindo que não havia nenhum subtexto secreto, começou a refletir sobre a melhor forma de proceder quando as histórias de Doma contadas pelo Warrior of Light lhe vinham à mente.

“Bem, dificilmente posso rejeitar um convite do grande Lorde Hien”, ponderou em voz alta, esperando que as palavras pudessem convencer seus colegas de que o dever e a obrigação estavam em primeiro lugar em seus pensamentos. Mas o sorriso brincando em seus lábios rapidamente desmentiu isso. Assumindo o que esperava ser uma expressão neutra, ignorou os olhares astutos, e o corar em suas bochechas, e começou a fazer os preparativos para partir imediatamente.

 


 

Passando por Kugane, G’raha dirigiu-se à pequena vila de pescadores de Isari, no Ruby Sea, onde um esquife fretado o aguardava. De lá, uma maré suave o levou ao longo do One River, até o Doman Enclave. Assim que desembarcou, um Lupin imponente o recebeu com uma reverência graciosa, apresentando-se como Hakuro, um servo do Lorde Hien. Acompanhando os passos gigantescos do homem-lobo, G’raha mal teve tempo de apreciar a arquitetura distinta do enclave. Paredes de pedra ornamentadas com portões redondos e janelas em forma de leque alinhavam-se em ambos os lados da rua. Ele teve vislumbres de artesãos trabalhando arduamente dentro dos locais, mas rapidamente desviou o olhar, para não se distrair do propósito de sua visita. Dever primeiro!

No final da estrada havia uma mansão quase tão grandiosa quanto as montanhas atrás dela. De acordo com Hakuro, a estrutura já foi a residência do magistrado do enclave, mas desde então foi renomeada como Kienkan—traduzido aproximadamente como “Regresso à Casa da Andorinha”—e serviu como domicílio de Lorde Hien desde o fim da ocupação imperial. Hakuro o conduziu para dentro e rapidamente o guiou através de uma série labiríntica de corredores. Havia uma fragrância floral única no ar, embora não estivesse claro se o aroma era inerente à madeira envelhecida ou se os corredores eram perfumados propositalmente. De qualquer forma, o ambiente sereno mal conseguiu acalmar seus nervos. Enquanto G’raha lutava para lembrar o que sabia sobre os costumes do Far East, fez questão de estar atento à sua postura. Ele não era um enviado, nem menos um emissário em assuntos majestosos. Mas mesmo assim, seu tempo como Exarch lhe ensinou a importância das aparências. Eu me lembro disso, pelo menos.

Por fim, chegou ao centro do labirinto e ali, sentado de pernas cruzadas numa enorme câmara, estava o homem que ele tinha vindo ver.

 

“Bem-vindo, amigo. Por favor, aceite minhas desculpas por trazê-lo até aqui”, disse Hien com um sorriso caloroso.

Eles já haviam se encontrado uma vez, quando os líderes da Aliança Eorzeana realizaram um conselho sobre a questão dos Telophoroi. G’raha ficou animado de conhecer o homem sobre quem apenas leu. Um herói de um livro da história totalmente diferente. Era um conto que felizmente nunca aconteceria, e sabia muito bem que não servia para nada entreter estórias de suas páginas esfarrapadas. Assim, esforçou-se para separar o homem do mito, optando simplesmente por se apresentar como o mais novo membro dos Scions.

Desde o primeiro encontro, G’raha sabia que o senhor de Doma era tão impressionante quanto os chefes das outras cidades-estado. No entanto, ao vê-lo ali no Kienkan, emoldurado pela imponente pintura a tinta de Yanxia, o homem parecia de alguma forma muito mais do que um simples homem. Piscando, G’raha lembrou a si mesmo que Hien nascera no ano seguinte à anexação de Doma, o que os tornaria da mesma idade. Mas seu comportamento não revelava nenhum indício de juventude. G’raha só podia imaginar as dificuldades que deve ter enfrentado na infância para exalar tal presença de espírito.

“Não foi nenhum problema. Estou muito grato pelo convite, embora não tenha certeza do que poderia ter feito para merecer tal honra. É realmente a mim que você desejava ver?”

“Mas é claro! Há um assunto sobre o qual apenas o seu conselho será suficiente.”

O jovem lord fez um gesto para que G’raha se sentasse e ele agradeceu, curioso para ouvir o que seu anfitrião tinha a dizer. Como Hien explicou, as sementes da mudança começaram a crescer em Garlemald, e Radz-at-Han, tendo reaberto o comércio com a nação devastada, estava organizando uma cimeira entre os líderes da ressurgente comunidade Garlean e os dignitários de vários países vizinhos. E, para não prejudicar ainda mais as relações entre Doma e Garlemald, Hien desejava obter informações sobre o estado atual do Império. O viceroy interino de Locus Amoenus— ou Corvos, como era conhecido anteriormente—estaria presente, e as informações sobre a província eram, portanto, de particular interesse.

Lembrando que Thancred se infiltrou no Locus Amoenus durante os Final Days, e confiando em ninguém menos do que nos Scions para manter um relato preciso dos eventos em meio a tal caos, Hien procurou o ladino de cabelos brancos atrás de qualquer informação que pudesse querer revelar.

“Imagine minha surpresa quando ele me disse que havia outro Scion mais adequado para a tarefa—alguém que não apenas se juntou a ele na missão, mas também veio de Corvos.”

G’raha assentiu lentamente. “Mesmo que seja o caso, fui trazido para Sharlayan quando criança e tive pouco contato com Corvos desde então. Temo que o conhecimento que posso fornecer possa não ser tão útil quanto você espera.”

“Não é incomum para aqueles de nós nascidos nas províncias se afastem de sua terra natal”, respondeu Hien com um sorriso de quem sabia do que falava. “Mas estou ansioso para ouvir o que você puder compartilhar.”

Diante disso, G’raha encolheu os ombros de forma autodepreciativa e, após pensar por um momento, resolveu começar com o que ele conhecia melhor—a história da província.

 

Se alguém perguntasse a quem pertencia a terra desde o início, tanto os habitantes de Corvos quanto de Garlemald certamente afirmariam que era deles. No entanto, da perspectiva de um estudioso da história Allagan, os fatos eram claros: era o local de uma cidade provincial fundada pelo Império Allagan há mais de cinco mil anos, quando os Allagans enviaram dezenas de escravos Miqo’te para cultivar as terras férteis ao sul do continente de Ilsabard. Após inúmeras Calamidades Umbrais e séculos de guerra por território e recursos, no entanto, apenas os Garleans e os Corvosi permaneceram, e foram estes últimos que posteriormente expulsaram os primeiros para os desertos gélidos do norte, onde viveriam na obscuridade por oitocentos anos. .

Este longo exílio durou até cerca de sessenta anos antes dos dias atuais, quando o legado e futuro imperador Solus zos Galvus usou do poder de magiteks para revolucionar o exército Garlean. Em nome da recuperação da sua terra natal ancestral, marchou com os grandes exércitos de Garlemald para sul para esmagar os seus antigos inimigos, que não conseguiam encontrar resposta ao poder do maquinário do Império. Depois de subjugar brutalmente os Corvosi, os Garleans apagaram o nome de Corvos de todos os registros, renomeando-o como Locus Amoenus. Como a única província na história de Garlemald a ter seu nome totalmente apagado, ficou claro que os Garleans não eram imunes a guardar rancor.

 

“Pensar que já se passaram mais de cinquenta anos desde que o nome Corvos se tornou quase uma nota de rodapé nos anais da história…” Hien murmurou, sem dúvida imaginando o que poderia ter acontecido com Doma se tivesse tido um destino semelhante.

G’raha assentiu. “Felizmente, o seu legado continua vivo na cidade que restou e na cultura que lá sobrevive até hoje. No entanto, não devemos esquecer que aqueles que assumiram o comando do governo nasceram durante o período do domínio imperial.”

G’raha lembrava-se vividamente da resposta de Corvosi quando os Final Days chegaram. Mesmo admitindo que se tratava de uma calamidade sem precedentes, demoraram a agir em comparação com a vizinha Radz-at-Han. Não que isso fosse totalmente surpreendente. Após a destruição de Garlemald, um jovem Corvosi—notavelmente não descendente de Garleans— relatou que a cadeia de comando se desintegrou rapidamente assim que o contato com a “pátria” foi perdido.

Hien fechou os olhos e expirou lentamente enquanto considerava as palavras de G’raha. “Quando finalmente conquistamos nossa liberdade dos Garleans, Doma era uma província imperial por vinte e cinco verões, Ala Mhigo por vinte. Mas se qualquer uma das nações tivesse suportado o jugo do Império por mais dez—ou mesmo um—quem pode dizer se teríamos prevalecido?”

Ele parou por um momento, olhando para o piso de madeira polida.

“Afinal, é difícil encontrar forças para lutar por um estilo de vida que poucos ainda lembram.”

“Sim”, continuou, “não consigo pensar em nenhuma força mais formidável do que o tempo e seu fluxo inexorável. Se não fosse por meus pais e pela orientação de meu mentor, Gosetsu, não posso dizer com certeza que minha convicção teria se mantido ao longo dos anos. Poderia muito bem ter sido levada pelas marés do tempo, minha educação imperial me moldando em um homem completamente diferente. Duvido que exista um Doman neste mundo que tenha vivido uma vida livre das cobranças do governo imperial .”

O rosto de Hien escureceu ao recordar o sofrimento que sofreu e das outras crianças nascidas durante a ocupação imperial. Sem cidadania imperial, tanto os Domans como os Ala Mhigans tornaram-se estrangeiros nas suas próprias terras, rotulados de “selvagens” pelos seus subjugadores. O único alívio dos maus tratos viria da cidadania, que só poderia ser obtida através de serviço militar exemplar. No entanto, ganhar o favor dos seus opressores era convidar o desprezo de amigos e parentes, ser rotulado como um cão de caça leal do Império. E assim, desde os primeiros anos, eles lutaram em meio a um turbilhão de raiva e ressentimento para descobrir quem eram— Doman, Ala Mhigan ou Garlean? Os mais velhos poderiam falar de dias tranquilos, mas como poderiam entender aquilo que nunca haviam conhecido? Havia apenas o Império.

Um silêncio sombrio caiu sobre a sala. G’raha respirou fundo o aroma floral e calmante no ar, imaginando como poderia aliviar o clima. Depois de um momento de busca, uma resposta veio até ele.

“Historiadores e arqueólogos como eu tentam identificar os pontos decisivos das civilizações. Onde uma era termina e outra começa. No entanto, a realidade não é tão preta e branca. Os governantes vêm e vão, assim como o nome de um país—mas o povo permanece. A vida continua. Quando os ventos da mudança sopram, eles içam as velas de acordo, tornando-se os pioneiros de uma nova geração, cujo curso os leva sempre adiante, seja na alegria ou na tristeza. E quando, séculos depois, nós, estudiosos, olhamos para trás, em sua jornada, vemos a história não de uma nação, mas de um povo.”

Hien lançou a G’raha um olhar de leve surpresa antes de cair na gargalhada.

“Perdoe-me, meu amigo, não era minha intenção pesar o clima—e ainda assim não me arrependo, pois fui recompensado com algumas pérolas inesperadas de sabedoria!”

G’raha recuou, seu rosto ficando vermelho. “Talvez eu tenha me empolgado.”

“De jeito nenhum! Você apenas falou o que pensava. Não é de admirar que os Scions o tenham recebido de braços abertos. Embora, por um momento,  pudesse jurar que estava ouvindo as palavras de um sábio enrugado!”

As orelhas de G’raha caíram de vergonha quando Hien caiu na gargalhada mais uma vez. Por fim, o jovem lord fez um gesto de desculpas e dirigiu um sorriso a G’raha.

“É como você diz. Não devemos temer a mudança, mas aceitá-la como parte da vida. A Doma amada por nossos ancestrais, como a nossa e a de nossa progênie, se tornará parte de uma única história compartilhada.”

Com seu sorriso desaparecendo, Hien olhou além de G’raha como se estivesse olhando para o futuro. Era um olhar que G’raha conhecia bem. Ele tinha visto isso nos rostos de outras almas corajosas que, não importando as dificuldades ou o perigo, nunca se desviaram de seu curso. Almas corajosas que salvaram a própria estrela. Recordando-os, G’raha imaginou a Doma de amanhã. O que quer que estivesse reservado para esta terra libertada na era que Hien e o seu povo ajudariam a moldar, ele ansiava por ver.

“Bem”, disse Hien finalmente, “suponho que não há nada a fazer senão aproveitar ao máximo esta cimeira e içar as velas de acordo. Venha, conte-me mais sobre Corvos. Eu gostaria de saber de suas iguarias—não há melhor maneira de encontrar um terreno comum com outra pessoa que não através de sua barriga.”

Hien se levantava enquanto falava, parando quando viu a expressão de confusão no rosto de G’raha. Ele riu baixinho.

“Certamente você não me acha tão cruel a ponto de fazê-lo falar de tais delícias com o estômago vazio? Você viajou de longe para responder às minhas perguntas e, como meu convidado de honra, provará o melhor que Doma tem a oferecer.”

O estômago de G’raha roncou em resposta. Com a confusão dissipada e o apetite devidamente aguçado, ele se levantou e, junto de Hien, saiu do Kienkan. Do outro lado do One River, podia ver os restos em ruínas do que antes era o centro e símbolo do lugar—o Castelo de Doma. No entanto, o enclave estava repleto de pessoas determinadas a restaurá-lo e reconstruí-lo.

Mesmo depois da tempestade de sangue, o povo permaneceu para embarcar em uma nova era. E a vida continuava.



*Students of Baldesion.

Garlean: habitante de Garlemald

Corvosi: habitante de Corvos

Ala Mhigan: habitante de Ala Mhigo

Fonte: Tales under the New Moon: In Storm’s Wake

Traduzido por Arius Serph @ Behemoth
Revisado por Yu Kisaragi @ Behemoth

Author: Aro
Idealista que se empolga com música, comida, pescaria, trocadilho, boas histórias, filosofia, animais, café, pessoas animadas e... na verdade, eu me empolgo fácil mesmo.

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