FFXIV | Contos sob a Lua Nova: Portador da Sombra, Portadora da Luz

Tales under the New Moon: Bringer of Shadow, Bringer of Light

Contos sob a Lua Nova: Portador da Sombra, Portador da Luz

Ao norte da cordilheira central ficava a sede do Império Garleano, onde a neve caía espessa sobre a terra, escondendo suas feições sob um indescritível véu branco. Um silêncio tenso permeava a região, como se a própria terra soubesse que seu sofrimento não havia terminado com os Final Days. Mesmo nesta cidade modesta, a mais de seiscentos quilômetros* a oeste da capital em ruínas, as pessoas andavam de um lado para o outro com expressões taciturnas. Os breves trechos de conversa que podiam ser ouvidos nas ruas eram abafados e apressados, servindo apenas para pontuar o silêncio opressivo.

Um homem descia a avenida principal, vestido com o sobretudo e boné padrão do exército imperial. Olhou ao redor com o mesmo carão usado pelos outros soldados patrulhando, nenhum questionando seu propósito. Depois de uma rápida olhada por cima do ombro, dobrou uma esquina, seguindo por uma sucessão de vielas estreitas e cheias de sombras até chegar aos arredores da cidade. Quando o caminho pavimentado deu lugar a um campo de neve, o andar do homem tornou-se mais lânguido—e então parou completamente, como se tivesse sido atingido por um pensamento repentino.

Um rangido solitário de couro serviu de prelúdio ao ataque. Num movimento fluido, ele se virou e desembainhou a espada, desviando o golpe que de outra forma o teria aberto de proa a popa, e mergulhou para frente em direção ao oponente, sacudindo o cotovelo bruscamente para cima ao fazê-lo. O som de dentes rangendo foi sua recompensa. Seu agressor cambaleou para trás, largou a foice e caiu silenciosamente na neve que o aguardava.

“Vamos dizer que foi um empate e seguir nossos caminhos separados, ok?” Thancred teria vindo apenas para observar.

Embora os Scions of the Seventh Dawn tivessem oficialmente se desbandado, manteve uma vigília solitária. Era tudo o que ele podia fazer para honrar a memória da mulher que amou como uma irmã—a mulher que deu sua vida para salvar o que ela amava. Por enquanto, uma paz provisória instalara-se no mundo, é verdade, mas rumores de inquietação dentro de Garlemald tinham-no atraído para fora de seus lazerres. Thancred observou a forma imóvel do seu suposto assassino. Vestido inteiramente de preto, apenas os olhos estavam expostos aos elementos. Os vincos profundos nos cantos destes marcavam o homem como um veterano experiente—sem dúvida ele pertencia aos Reapers, agentes do império que abatiam seus inimigos antes do advento da magitek. Agarrado à glória esfarrapada da sua nação, este único sobrevivente provavelmente o identificou como um estrangeiro e, portanto, um alvo para eliminação. Má sorte.

Mesmo quando seu olhar voltou para o manto branco que se estendia diante dele, Thancred percebeu que sua mente se voltava para o passado. A visão do velho soldado e sua foice caídos na neve despertara lembranças de outro. Alguém que viveu num mundo cheio de luz tão ofuscante quanto este deserto gelado. Dentro deste brilho o homem lutou, e dentro deste brilho, morreu.

O General Ran’jit era um inimigo implacável.

Thancred priorizou investigar o passado do general enquanto se preparava para resgatar Minfilia de sua prisão em Eulmore. Sua busca o levou a registros que mencionavam um grupo de assassinos que operavam nas sombras do First antes do Flood of Light. Os contratos que aceitaram foram poucos, mas nunca conheceram o fracasso. Os poucos detalhes que Thancred conseguiu descobrir sobre seu funcionamento interno eram inacreditáveis. Supostamente uma irmandade ligada pelo sangue, eles obscureceram suas origens criando descendentes de todas as raças concebíveis e instruindo-os nos caminhos de sua arte sangrenta. Até mesmo as magias proibidas de terras estrangeiras estavam à sua disposição, mas tal domínio tinha um grande custo: o treinamento que suportavam era considerado equivalente à tortura. A fonte de sua devoção e as crenças que os motivavam haviam se perdido na história, mas as estórias que restaram indicavam um zelo que beirava a obsessão.

Um século antes, Zal’bard, líder deste grupo secreto, visitou Eulmore para uma audiência com seu prefeito. Foi necessária pouca imaginação para deduzir o propósito do encontro, mas até Thancred foi surpreendido pela reviravolta do destino que se seguiria. Pois o Flood of Light derramou-se sobre o First enquanto o prefeito e o assassino negociavam. Consequentemente, Zal’bard e seus seguidores não tiveram escolha a não ser permanecer em Eulmore como convidados do prefeito. Seja por gratidão pela hospitalidade que receberam ou por simples necessidade diante da destruição aparentemente iminente do mundo, os assassinos treinaram os soldados impiedosos de Eulmore na arte da guerra. E assim Zal’bard passou a liderar a defesa contra os sin eaters que surgiam do Empty, expulsando-os e concedendo um precioso indulto para a cidade sitiada…

Depois de doze anos em Eulmore, Zal’bard gerou um filho. Considerando a escassez de informações pertinentes à mãe da criança, era evidente que a sua principal preocupação era encontrar um herdeiro a quem pudesse transmitir as suas habilidades. Os registros dizem que o menino começou a treinar seriamente antes mesmo de poder formar uma frase, e que seu pai o chamou de Ran’jit.

O mundo foi levado ao desespero pelo ataque implacável dos sin eaters. Voeburt oscilou à beira do colapso e certamente teria caído no precipício se não fosse por uma ocorrência milagrosa. Entre a população, foi descoberta uma garota que não poderia ser transformada pela influência corruptora das bestas. Dois anos depois, ela foi abrigada em Eulmore e recebeu o nome de Minfilia, em homenagem a uma figura lendária que teria evitado o Flood of Light.

Sabendo que os talentos únicos de Minfilia seriam inestimáveis na linha de frente, Zal’bard resolveu treiná-la ele mesmo, embora ela fosse uma garota de apenas doze verões. Jovem, talvez, mas mais velha que Ran’jit, que recentemente completara cinco anos. Juntos, as duas crianças estudaram sob Zal’bard, uma delas o suposto farol de esperança do mundo e o outro o herdeiro de suas artes mais sombrias. O caminho que cada uma seguiu acabaria por levá-las a destinos diferentes, mas por enquanto caminhavam lado a lado. Se eles se viam como amigos ou rivais, camaradas ou concorrentes, isso nunca foi registrado. No entanto, um relato do período descreveu Minfilia durante seus dias em Eulmore como “uma garota brilhante e alegre que viveu na cidade como se tivesse nascido e sido criada ali. Apesar de seus dons singulares, permanece humilde e dedicada à sua missão, demonstrando um apetite por treinamento igual ao do filho primogênito de seu mestre.”

Com o tempo, Minfilia cresceu para cumprir seu papel e, após anos de sigilo, sua existência foi revelada ao mundo. Foi anunciado que ela tomaria seu lugar em um batalhão de elite recém-formado conhecido como Sinbound, comandado pelo próprio Zal’bard, e liderariam a contraofensiva de Eulmore.

Cada gota de sangue derramado em batalha proporcionou aos Sinbound uma compreensão mais profunda de seu inimigo, e foi graças a esse conhecimento arduamente adquirido que finalmente conseguiram rastrear uma caça muito elusiva—o Lightwarden da região, escondido nas Duergar Mountains. Se conseguissem derrotá-lo, dizia a teoria, toda Kholusia poderia ser libertada. Embora a batalha que se seguiu tenha sido longa e brutal, a vitória finalmente veio quando Zal’bard desferiu o golpe mortal. No entanto, a alegria do Sinbound provou ser de curta duração—sua comemoração fora rapidamente substituída por gritos de horror—pois mesmo enquanto o Lightwarden perecia, o brilho corruptor armazenado dentro de seu corpo foi derramado, engolindo o corpo e a alma de seu algoz. O grande general soltou um uivo desumano antes de se transformar naquilo que mais desprezava. Foi então que uma verdade terrível foi revelada—aqueles que matavam um Lighwarden estavam condenados a se tornarem um.

O Sinbound não tiveram escolha senão recuar. Ao retornarem a Eulmore, declararam que Zal’bard havia dado sua vida para acabar com o Lightwarden, e seu sacrifício heroico abriu o caminho para a salvação final. Na melhor das hipóteses, uma meia verdade, mas que o povo poderia tolerar melhor do que a amarga realidade. E assim o First lamentou a morte de um líder, enquanto celebrava uma vitória histórica, e Minfilia obedientemente sorria e acenava. Mais tarde, longe dos olhos públicos, coube-lhe desiludir os líderes do reino das suas falsas esperanças e propor uma solução. Se fosse ela quem matasse o besta de luz talvez sua imunidade natural à influência maligna do inimigo pudesse impedir que a vitória significasse derrota.

E assim, os Sinbound continuaram sua caçada, com Ran’jit, ainda pouco mais que um menino, assumindo o comando de seu pai. Embora não estivesse claro até que ponto seu treinamento como assassino havia progredido, ele era tão feroz quanto seu predecessor nos campos de batalha afogados pela luz. A perda do pai e do professor não o deteve; em vez disso, parecia emprestar ao jovem um aço ainda invisível.

Embora a destreza de Ran’jit fosse indiscutível, os registros militares mostravam que Minfilia era de fato o cérebro por trás dos estratagemas dos Sinbound, equivalente ao general no campo de batalha. Para cada sin eater morto por Ran’jit, Minfilia mataria outro, e ele responderia por sua vez. Esse ciclo continuou continuamente, até que a terra ficou repleta de corpos dos inimigos.

Mas tudo que é bom dura pouco. Dez anos após a fundação dos Sinbound, Minfilia sofreu um grave ferimento. Embora imune à influência dos sin eaters, sangrava como qualquer outra, e desta vez nenhum cirurgião poderia salvá-la. Perdendo as forças rapidamente, convocou seus companheiros para o seu lado e anunciou uma profecia: que Minfilia voltaria. O Oráculo da Luz falava através dela, ela assegurou-lhes, e viram pelo seu sorriso claro que ela dizia a verdade. Com seu dever cumprido, solicitou um último momento a sós com Ran’jit.

Quais palavras foram trocadas no momento, apenas os dois saberiam—um portador da sombra e uma portador da luz. A Minfilia que se ia sucumbiu no fim? Ou partiu deste mundo com seu sorriso familiar, destemida? Ran’jit nunca contou.

Os registros do governo falaram de um grande funeral, onde todos cujas vidas foram tocadas pela presença de Minfilia lamentaram sua morte. Ela foi enterrada nas criptas de Eulmore, seus restos mortais foram levados para lá pelo próprio Ran’jit.

Foram necessários quase três anos de busca para encontrar a reencarnação profetizada de Minfilia. A garota entregue a Eulmore tinha o mesmo cabelo louro, os mesmos olhos brilhantes e—isso foi devidamente confirmado—a mesma resistência à influência do inimigo. Mas foi aí que a semelhança terminou. Ela era jovem e quase dolorosamente tímida, cumprimentando a aproximação de um estranho como a maioria cumprimentaria um sin eater. Independentemente disso, estava destinada a sustentar a esperança do povo, e assim como Zal’bard havia escolhido a Minfilia anterior como aluna, Ran’jit tomou a mesma decisão com sua sucessora.

No final, ela durou apenas uma dúzia de verões e não viveu para ver sua décima batalha. Enquanto o mundo aguardava o seu renascimento, os estudiosos trabalharam arduamente para discernir a verdadeira natureza dos sin eaters, na esperança de descobrir alguma fraqueza até então despercebida—uma que até uma criança pudesse explorar. No entanto, suas descobertas frustraram tais esperanças. Embora os monstros de luz parecessem seres vivos, a verdade era bem diferente. Não havia órgãos vitais para perfurar, nem artérias para abrir. Como bonecas, a perda de uma parte servia apenas para diminuir o todo, e não para destruí-lo. Somente a força bruta poderia impedir seu avanço.

Ran’jit continuou a treinar Minfilia após Minfilia, enquanto nascia e renascia, algumas adotando seus métodos, enquanto outras não. Algumas imploraram que ele acabasse com suas vidas, para que pudessem abrir caminho para uma aluna mais adequada. De uma forma ou de outra, para salvar tudo o que restava, elas deram tudo o que tinham.

Quem quebraria este ciclo impiedoso? Oitenta anos após o Flood of Light, Eulmore ficou sob o governo de Vauthry, um homem que poderia submeter os sin eaters à sua vontade. E assim os Sinbound foram transformados em excedente às necessidades e debandados. Mesmo assim, Minfilias ainda nasciam no mundo, e depois de sonhar que um dia encontraria seu fim nas mãos de alguém, Vauthry ordenou que a atual encarnação do Oráculo fosse condenada à morte. Daquele dia em diante, Ran’jit foi incumbido de uma nova missão: procurar a próxima Minfilia e confiná-la, para que ela nunca se levantasse contra Vauthry ou os sin eaters sob seu domínio.

Ninguém pode dizer com certeza o que o idoso general pensava deste triste dever, mas suas palavras ao Warrior of Darkness e seus companheiros, que ajudaram no resgate de Minfilia, foram registradas para a posteridade:

 

“A rebeldia só gera mais sofrimento. É apenas através da aceitação que alguém pode encontrar consolo neste mundo esquecido pelos deuses.”

“O homem é uma criatura inerentemente imperfeita. Em sua vã busca pela justiça, ele apenas semeia as sementes de conflitos futuros. Assim, escolhi colocar minhas esperanças naquele que transcendeu os homens. Naquele que não está preso aos caprichos da consciência. ”

 

Ran’jit morreu em batalha aos oitenta e oito anos. Seu corpo foi encontrado diante dos túmulos de suas antigas pupilas, todas levadas antes do tempo.



*Medidas de Eorzea (Encyclopædia Eorzea, pg. 20)

1 Ilm (Im) = 2.54 cm (polegar de um Hyur adulto ou uma rolanberry madura)
1 Fulm (Fm) = 12 Ilm = 30.48 cm (pé de um Hyur adulto ou pena da cauda de um chocobo adulto)
1 Yalm (Ym) = 3 Fulm = 0.9144 metros (tamanho de um lalafell adulto ou uma espada bastarda)
1 Malm (Mm) = 1,760 Yalm = 1,609 metros (altura de O’Ghomoro, terra sagrada dos kobolds ou a distância que um Elezen adulto consegue correr em 10 minutos(?))

No original “four hundred malms west of the ruined capital” após a conversão dá mais ou menos 600 quilômetros.

Fonte: Tales under the New Moon: Bringer of Shadow, Bringer of Light

Traduzido por Arius Serph @ Behemoth
Revisado por Yu Kisaragi @ Behemoth

Author: Aro
Idealista que se empolga com música, comida, pescaria, trocadilho, boas histórias, filosofia, animais, café, pessoas animadas e... na verdade, eu me empolgo fácil mesmo.

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